A Apple entre EUA e China: As tensões comerciais e as promessas não cumpridas de Trump. Em um desenvolvimento recente que ilustra as complexas dinâmicas da guerra comercial global, a Apple encontra-se no meio de uma disputa geopolítica entre os Estados Unidos e a China. O presidente Donald Trump expressou publicamente sua insatisfação com os planos da gigante tecnológica de mudar sua produção da China para a Índia, em vez de trazer os empregos de fabricação para o território americano.
A Apple entre EUA e China: As tensões comerciais e as promessas não cumpridas de Trump
“Tive um pequeno problema com Tim Cook ontem”, declarou Trump durante sua visita de Estado ao Catar, segundo a Bloomberg. “Eu disse a ele: ‘Meu amigo, te tratei muito bem. Você está vindo aqui com US$ 500 bilhões, mas agora ouço que você está construindo por toda a Índia.’ Eu não quero que você construa na Índia. A Índia pode cuidar de si mesma.”
Esta situação representa um fracasso significativo para uma das principais promessas de campanha de Trump: trazer empregos de manufatura de volta aos Estados Unidos. A frustração do presidente com a decisão da Apple de escolher a Índia como sua alternativa à China revela as limitações práticas de suas políticas comerciais protecionistas.
O plano da Apple e as tarifas de Trump
No início deste ano, a Apple anunciou planos ambiciosos para transferir a montagem da maioria dos iPhones vendidos nos EUA para fábricas na Índia até o final de 2026. Esta estratégia visa reduzir a dependência da empresa em relação à China, onde atualmente são produzidos aproximadamente 80% dos 60 milhões de iPhones vendidos anualmente nos Estados Unidos.
A mudança da Apple não é casual. A empresa está respondendo diretamente à guerra tarifária iniciada pela administração Trump. Com as tarifas sobre produtos chineses atingindo níveis cumulativos de 145%, a Apple busca alternativas mais econômicas, e a Índia emergiu como a opção mais viável.
Em março de 2025, a Apple já havia expedido da Índia para os Estados Unidos cerca de 600 toneladas de iPhones, no valor de US$ 2 bilhões, marcando um recorde para seus contratantes Tata e Foxconn. Este movimento representa um aumento substancial na produção indiana, que cresceu 60% no período de 12 meses encerrado em março de 2025, totalizando US$ 22 bilhões em iPhones montados no país.
Por que não os EUA? A realidade econômica que Trump ignora
A administração Trump tem insistido que a Apple poderia facilmente fabricar seus produtos nos Estados Unidos. “Se a Apple não achasse que os Estados Unidos poderiam fazer isso, provavelmente não teriam colocado esse grande montante de dinheiro”, afirmou Karoline Levitt, secretária de imprensa da Casa Branca, referindo-se ao compromisso da Apple de investir US$ 500 bilhões nos EUA.
No entanto, especialistas e analistas da indústria são unânimes em apontar que a fabricação de iPhones nos EUA é economicamente inviável. Dan Ives, analista da Wedbush Securities, estima que um iPhone que atualmente custa US$ 1.000 quando produzido na China ou na Índia poderia ver seu preço triplicar para mais de US$ 3.500 se a produção fosse transferida para os Estados Unidos.”
A realidade é que seriam necessários 3 anos e US$ 30 bilhões para mover apenas 10% de sua cadeia de suprimentos da Ásia para os EUA, com grandes interrupções no processo”, escreveu Ives em uma nota recente.
Esta posição é consistente com a visão histórica da Apple sobre o assunto. Em 2011, o falecido fundador Steve Jobs disse ao então presidente Barack Obama que “esses empregos não voltarão” quando questionado sobre iPhones fabricados nos EUA.
A complexa cadeia de suprimentos global
O iPhone é, em muitos aspectos, o símbolo definitivo da era das cadeias de suprimentos globalizadas. É projetado na Califórnia por engenheiros e designers bem pagos, mas é montado na China e na Índia com peças provenientes de muitos fornecedores diferentes, cada um com sua própria cadeia de suprimentos complexa.
Esta complexidade permitiu que a Apple se tornasse uma das empresas mais valiosas do mundo e uma força cultural e econômica. No entanto, a cadeia de suprimentos da Apple é tão profundamente integrada à China – desde componentes eletrônicos e embalagens até metais raros – que é praticamente impossível fabricar seus produtos inteiramente em qualquer outro lugar.
Além disso, a China tem criado obstáculos ativos para a tentativa da Apple de diversificar sua produção. Segundo relatórios recentes, as autoridades chinesas têm dificultado a obtenção de vistos de trabalho para funcionários e impedido que maquinário entre na Índia vindo da China. Também têm pressionado os parceiros da cadeia de suprimentos da Apple, incentivando-os a não transferir linhas de produção para fora do país.
Impacto nos consumidores e no mercado
As políticas tarifárias da administração Trump têm gerado incerteza significativa para empresas e consumidores. Analistas estimam que o preço de um iPhone de US$ 1.000 poderia aumentar em US$ 250 ou mais se as tarifas persistirem, o que já levou alguns consumidores americanos a correrem para comprar dispositivos Apple antes de possíveis aumentos de preços.
Em resposta às tarifas, a Apple poderá ser forçada a aumentar os preços em toda sua linha de produtos em 17% a 18% nos EUA, segundo o analista Erik Woodring do Morgan Stanley. Isso poderia afetar significativamente a demanda do consumidor e, consequentemente, as receitas e o valor de mercado da empresa.
O impacto já está sendo sentido: o valor de mercado da Apple caiu cerca de US$ 500 bilhões desde que Trump começou a aumentar as tarifas em 2 de abril de 2025. Somente em um dia, após o anúncio das tarifas “recíprocas” de Trump, as ações da empresa caíram mais de 9%, eliminando mais de US$ 300 bilhões em capitalização de mercado.
Promessas de campanha versus realidade econômica
A situação atual expõe uma falha fundamental na abordagem econômica de Trump. Sua promessa de trazer empregos de fabricação de volta aos EUA ignora as realidades econômicas e logísticas das cadeias de suprimentos globais modernas. A fabricação de produtos eletrônicos complexos como o iPhone nos EUA simplesmente não é viável sem aumentos dramáticos de preços que prejudicariam os consumidores americanos.
Como observou um comentarista: “A fabricação de iPhones nos EUA é uma ideia que não tem viabilidade econômica”. Mesmo com tarifas punitivas sobre a China, a Apple optou por transferir sua produção para a Índia em vez dos EUA, indicando claramente que as políticas de Trump não estão alcançando seu objetivo declarado.
O futuro da manufatura global e o papel dos EUA
Enquanto Trump continua pressionando por mais manufatura doméstica, a realidade é que a economia global evoluiu além do modelo que ele busca restabelecer. Mesmo que algumas operações de manufatura retornem aos EUA, é provável que sejam altamente automatizadas, gerando muito menos empregos do que muitos esperam.
Empresas como a Amazon continuam trabalhando para automatizar seus armazéns, e qualquer ressurgimento da manufatura nos EUA provavelmente seguiria um caminho semelhante. O resultado da “repatriação” poderia ser uma economia prejudicada pela inflação e com menos empregos na manufatura do que o esperado.
A disputa entre Trump e a Apple ilustra as complexidades da economia global moderna e os limites do protecionismo econômico. Enquanto o presidente busca forçar empresas americanas a trazerem sua produção de volta para casa através de tarifas, as realidades econômicas e logísticas levam essas empresas a buscarem alternativas que, embora reduzam sua dependência da China, não necessariamente beneficiam os trabalhadores americanos.
Para a Apple, a mudança para a Índia representa uma solução pragmática para mitigar os efeitos das tarifas de Trump. Para os consumidores americanos, pode significar preços mais altos por produtos que amam. E para a administração Trump, representa um desafio significativo à sua narrativa de que tarifas mais altas automaticamente resultarão em mais empregos americanos.
A guerra comercial continua, e como tem acontecido frequentemente em conflitos desse tipo, não há vencedores claros – apenas compromissos complexos e consequências não intencionais que afetam toda a economia global.